Thursday, June 21, 2007

Outro Tipo de Luta

Em meu blog principal, há uma transcrição de um dos diálogos do filme Before Sunrise (ver Before Sunrise - Another Type of Fight). Nele, a personagem Celine se refere às lutas que enfrentamos no nosso dia-a-dia e em nossa evolução como seres humanos. Ela acredita que sempre temos inimigos, que podem ser concretos e visíveis ou obscuros e escondidos. Na geração de seus pais, esses inimigos eram o sistema capitalista (ou as políticas de governo) e as tradições católicas. Podemos dizer que, naquela época, a revolta era em relação aos padrões (e à ética) capitalistas advindos da revolução industrial e, um pouco mais antigos, aos padrões (e à ética) da fé cristã - pelo menos em sua transfiguração pós-iluminismo. Era uma revolta contra a repressão, em busca de uma liberdade coletiva e universalista. Uma busca de mudança dos padrões sociais vigentes para melhor refletir o pensamento da juventude.

No Brasil, tivemos uma situação similar na luta jovem contra a ditadura militar. Essa mesma juventude que, eleita, elaborou nossa constituição liberal de 1988. Estavam presentes, aqui, os mesmos elementos universalistas, e, talvez, até um pouco comunistas ou socialistas. Uma busca de liberdade e igualdade à Revolução Francesa, contra o imperialismo praticado pelos países do primeiro mundo e contra as restrições e repressões dos governantes. Uma busca de mudança dos padrões sociais (e políticos) vigentes para melhor refletir o pensamento da juventude.

A pergunta derivada do diálogo no filme é: a luta travada pela juventude da década de 1960/70 foi vencida? Ou o inimigo ainda existe? Ou existe um novo inimigo? Independente da resposta, uma coisa é certa: aquela juventude é quem hoje governa nosso país e, no geral, o mundo. De forma que as relações de poder, a cultura, as regras sociais e os valores que vemos presentes nos dias de hoje são, ou deveriam ser, justamente os trazidos pela juventude daquela época. Caso contrário, devemos assumir que nosso pais simplesmente desistiram de lutar.

Supondo que recebemos um mundo onde a luta pela liberdade já foi vencida, concluímos que nós, atual juventude, fomos agraciados pela geração anterior. Recebemos, de graça, o grande direito almejado por todos àqueles dias: o direito de escolha. Hoje podemos decidir o que fazer, para onde ir, com quem nos reunir, aonde ficar, quem namorar, nossa profissão, nossos partidos, nossos governos, nossos livros, nossos sexos, nossas músicas, nossas religiões, nossa realidade. Podemos mesmo?

Se podemos, por que não somos totalmente felizes? O que nos falta, além da liberdade? A resposta tange dois conceitos principais. Em primeiro lugar, a questão da guerra. Talvez, justamente por não termos um inimigo concreto e real e contra quem lutar, nos falta alguma coisa: a luta em si. Necessitamos, para sermos felizes, superar um realidade que nos sufoca e nos reprime. Somente após libertos desse inimigo, podemos gozar dos prazeres da real liberdade, aquela conquistada pelo nossos próprios méritos, esforços e batalhas.

O segundo ponto, talvez correlato, diz respeito à consciência da vitória. Se nós nunca tivemos de enfrentar dinossauros, como fizeram nossos antepassados, e nem mesmo nos lembramos que eles tiveram tal dificuldade, esse fato pouco nos acrescenta em prazer ou bem-estar. Se nós não vivemos a repressão e o toque de recolher das décadas passadas, para que ficarmos felizes por estarmos livres disso? E que mérito nós temos por vivermos em tal realidade?

A juventude atual vive dessa forma: buscando novas guerras e sem consciência das vitórias passadas. Donde vem a questão: por que precisamos lutar? Por que nos contentamos tão pouco com aquilo que já possuímos? Certamente recebemos diversas contribuições de nossos antepassados, tanto positivas quanto negativas. Entretanto, as vezes nos falta a sensibilidade de distinguir (1) o que podemos melhorar e, mais importante, (2) tudo o que o mundo já pode, agora, nos oferecer de bom. No filme, Jesse responde ao comentário de Celine de forma deveras simples: "eu não sei se realmente existe um inimigo". Ou seja, ele coloca em dúvida o imperativo da luta e abre a possibilidade de se aproveitar melhor a vida como ela é.

A resposta de Jesse leva à compreensão da principal mensagem do filme Shrek the Third (Shrek Terceiro): nós somos nossos próprios inimigos. De fato, com a ausência de adversários concretos contra os quais lutar - como governos tiranos e ideologias impostas - nossa busca por inimigos somente pode encontrar um: nós mesmos. Assim, hoje é raro uma reunião de pessoas articulando como aniquilar um problema comum - já que na falta de uma entidade visível, cada um acredita que seu problema é somente seu. Também é muito reduzido o número de pessoas que abdicam de seus momentos de lazer (cada vez mais fúteis e com mais alucinógenos) para refletir sobre como melhorar o mundo em que vivemos. Na verdade, o que vemos é cada um na sua, enfrentando seus próprios desafios (mesmo que esses sejam comuns a um grande grupo). É a geração do cada um por si. A geração do individualismo com roupagem coletivista. A geração que foge de si mesmo em excessos de trabalho, de drogas, de lazer, de relacionamentos. É a geração da auto-luta, contra tudo, contra todos e, no fundo, contra nada.

O lado positivo desta constatação é que, com uma simples mudança consciente de atitude, vencemos o inimigo e ele desaparece - basta escolher não ser mais seu inimigo. De forma que a grande resposta para nossa geração é buscar a consciência. Somente com consciência de nós mesmos e da realidade em que vivemos (se é que realidade existe), podemos escolher visando o nosso bem e o de todos. É uma questão de consciência e escolha [ver: [Education (Consciousness and Choice)] num mundo onde é o excesso de liberdade que pode aprisionar.

Vencida a guerra contra nós mesmos, a mesma liberdade ora atrofiante passa a caracterizar nosso grande potencial. A variedade amedrontadora de escolhas (profissão, trabalho, religião etc.) passa a indicar o quão grandiosos é aquilo que realmente escolhemos conscientemente. A quantidade astronômica de bens (tangíveis e intangíveis) disponíveis, assim como de seus preços e suas qualidades, resulta em nosso prazer de escolher deliberadamente somente o que nos agrada. Em uma escolha consciente de que alguns recursos são limitados, aprendemos a viver no eterno trade-off (solução de compromisso), abdicando conscientemente de algo (material ou não) em busca de outros bens (materiais ou não) melhores.

Muitos desafios do passado foram superados e as conquistas de nossos antepassados estão hoje disponíveis para o nosso bem. Nos cabe, agora, buscar mudanças nos padrões sociais (e políticos) vigentes para melhor refletir nosso pensamento de juventude. Somente então poderemos deixar nosso grande legado para as futuras gerações. Depois da geração do conhecimento, levaremos o mundo à geração do auto-conhecimento.

Carpe Diem,

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